Na Trincheira do Poeta

Na Trincheira do Poeta

terça-feira, 25 de março de 2014

Recontar... 10 anos depois. Temática atualíssima! Vide Comissão da Verdade.


Artigo publicado no jornal "O Regional", de minha autoria.


Ainda os ossos, porque não as sacolas

Com a chamada “Regime Militar – Soldados indicam localização de corpos”, tem-se como manchete da página Brasil, A6, edição de 1º. de março de 2004 do jornal a Folha de São Paulo: - Especialistas darão início à busca por ossada de guerrilheiros do Araguaia.
Para reavivar a memória, com a revolução democrática deflagrada em 31 de março de 1964 para alguns, e golpe para outros, seguem-se atos anti-regime, com conseqüente exílio de muitos e recrudescimento dos movimentos de esquerda, tendo como ápice o estudantil em 1968.
As frentes que organizaram a resistência, após diversas incursões que resultaram em seqüestros de dignatários e assaltos a bancos para auto-sustentação das ações, com o sacrifício de sentinelas às portas dos quartéis e também com o sacrifício de civis indefesos às portas de bancos vitimados em ações terroristas, decidiram homiziar-se no campo com o firme propósito de, através da guerrilha rural, desestabilizar o governo. Dos campos se destacaram: Registro e Araguaia.
O vale do Ribeira do Iguape, tendo como cidades Registro, Sete Barras, São Miguel Arcanjo e Jacupiranga, dentre outras, era e ainda é uma região muito carente, onde os terroristas encontraram terreno fértil para jogar suas catilinárias anti-poder.
Certo é que por volta das 21h de 08 de maio de 1970, uma sexta-feira, antevéspera do Dia das Mães, Carlos Lamarca, o mais temido dentre os terroristas, ao lado de uma sacola de dinheiro, conclamava, em extremo delírio de vitória, os rendidos policiais militares “a subir a montanha com ele”.
Dois dias depois, de forma vil, sem complacência, sacrificava um deles, indefeso e desarmado. Dois anos mais tarde ele mesmo era morto em solo baiano.
Do que se passou no Araguaia, a imprensa, ao longo do tempo, já esmiuçou, com versões de ambas as partes.
Como participante do embate de Registro e componente de guarnição de repressão a assaltos a bancos praticados pelos terroristas pela região bancária dos bairros do Bom Retiro, Lapa e Pinheiros, na capital, tudo que se escreve sobre o tema aqui ou acolá, desperta meu sentimento de defensor das instituições com o alto risco da própria vida.
Após tantos anos, arrefecidos os ânimos, houve a anistia, com o regresso dos exilados, porém a refrega parece não ter fim. Fomenta as injustas indenizações, pensões concedidas a militantes e a obstinada procura dos ossos, cujo objetivo maior é posar de vítimas daqueles que, poupados, hoje ostentam cargos de mando.
Não era apenas simbólica a sacola de dinheiro ao lado do terrorista; decorria de sangue de inocentes. Não foi por acaso que escolheu áreas pobres de população sofrida, nelas as sacolas de dinheiro rendem mais, alicia-se mais numerosamente “companheiros”.
Há que saber, por meio de CPIs, a quantidade de sacolas de dinheiro que rendeu o “Esquema do Bingo”, conhecido também como o “Caso Waldomiro”.
Necessário avisar aos “sagrados” membros dos organismos defensores dos Direitos Humanos, de todos os espectros sociais deste país, que os valores maiores de uma nação e suas lideranças positivas não se dizimam só pelas armas; também o faz e muito mais facilmente pelo aliciamento vil dos desvalidos e fracos de caráter com sacolas de dinheiro; com a derrocada dos valores morais e do civismo; pela liberalidade desenfreada dos usos e costumes; pela libertinagem institucionalizada; e outras mazelas consentidas nestes últimos vinte anos.
Meu profundo respeito àqueles que se foram em nome da causa, muitos inocentemente, levados pelo engodo de quem detinha a sacola, já àquela época.
Se é para ir atrás dos ossos, que se vá também atrás daqueles que, indefesos, tombaram pela ação dos terroristas.
A propósito, a matéria da Folha registra o repúdio dos familiares à iniciativa do governo quanto à criação da comissão responsável pela procura dos corpos.
De minha parte estou consciente que à verdadeira e enigmática montanha sobem: os puros de coração; os que praticam a bondade; os que honram a pátria e seus valores maiores; os que honram pai e mãe; os que não matam; os que amam verdadeiramente.


Catanduva, 10 de março de 2004

José Carlos Xavier

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